Entrevista com o Prof. Dr. Domingos Sávio F. Oliveira
Domingos Sávio Ferreira de Oliveira Possui graduação em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e em Fonoaudiologia pelo Instituto Brasileiro de Medicina de Reabilitação, mestrado em Teatro (Estética Vocal) pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e doutorado em Letras pela UFF. Atualmente é professor associado da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) |
Quais são as principais particularidades na atuação com atores de teatro e televisão?
As linguagens do teatro e da televisão são diferentes: realista (teatro) e naturalista (televisão). Portanto, elas exigem formações específicas e domínio de ferramentas circunscritas à arte da encenação, entre elas, o CORPO e a VOZ. Não há como separá-los; a voz é uma resposta a uma atitude/gesto corporal – o diálogo corpo-voz é um produto dessa relação, cujo resultado decorre das intensões/desejos do personagem.
O ator de televisão desenvolve o personagem na medida em que o texto é alimentado pelo novelista, podendo crescer ou não; a relevância do personagem dependerá, em parte, da construção adotada pelo ator. Nesse sentido, a voz é fundamental, pois representa a verdadeira imagem do personagem – a origem, o meio social, as características personativas, o sotaque, por exemplo, revelam-se nas sonoridades que adentram as casas dos telespectadores. O Fonoaudiólogo deve atentar para esse constructo artístico, pois é o profissional indicado para a preparação e direção vocal do ator, sobretudo quando se trata de oralidade e composições vocais que necessitam de ajustes fonatórios. A presença de “microfones potentes” otimizam problemas de pronúncia, que podem ser abrandados ou mesmo corrigidos por um especialista atento e afeito à construção do personagem, que ganha vida numa novela. Não se trata, pois, de trabalho de consultório, exclusivo! É preciso, também, atuar in loco, a fim de adequar a construção sonora (incluindo-se as correções fonéticas articulatórias e estilísticas) ao ambiente acústico, seja aberto (cena externa) ou fechada (estúdio).
O ator de teatro tem acesso ao texto na íntegra, sendo a leitura em branco a primeira degustação textual, seguida da proposta cênica. É um importante momento para a participação do Fonoaudiólogo, cujo compromisso maior é o da direção vocal, visto que as exigências da voz em cena são especiais, além de demandarem maior projeção vocal. É necessário conhecer os diferentes palcos (italiano, arena, elisabetano e as variações/disposições cenográficas), e de como envolvê-los vocalmente, de modo que a voz seja direcionada de maneira correta e com envolvimento do espectador. É o que se denomina “fenômeno de presença vocal”. Portanto, os exercícios e as técnicas de voz são muito específicas e afinadas com a arte da encenação. O grito, o choro, a gargalhada, o gemido, as emissões em cenas de luta e de desespero são trabalhadas e otimizadas, de modo que o artista seja capaz de realizá-las com o mínimo de esforço possível, conhecendo os seus limites. Mas não podemos prescindir delas, pois são representações da vida, da convivência pós-modernidade (o nosso século!).
Não há como exaurir todas as questões que envolvem o trabalho de atuação do Fonoaudiólogo na arte da representação. O enfoque dado tem como finalidade mostrar ao leitor o quanto é especial a atuação do Fonoaudiólogo na arte da representação, o que exige formação em diferentes campos do conhecimento: teorias do teatro, linguística – fonética e fonologia, acústica, arquitetura teatral, fisiologia da voz e estética vocal, principalmente. Um conhecimento com contínuo aprendizado!
Quais são os maiores obstáculos para a conquista da adesão do ator às orientações do Fonoaudiólogo?
A atuação do Fonoaudiólogo precisa vazar os limites dos distúrbios vocais, dos procedimentos de aquecimento e desaquecimento vocal e dos exercícios e técnicas de base. Embora sejam fazeres importantes do trabalho do Fonoaudiólogo, há outras exigências que aproximam o ator de nossa profissão: os conhecimentos das teorias de interpretação dialogados com a prática da construção vocal e corporal. Assim, tornam-se relevantes os trabalhos de preparação e de direção vocal, constituindo atuações distintas, aquela nitidamente de base preparatória e esta, de construção vocal do personagem. O Fonoaudiólogo precisa mostrar ao ator como emitir um grito, uma voz dilacerante, uma discussão acalorada numa cena extenuante, como, também, ao contrário, a emissão suave e projetada numa cena de amor. Logo, um dos motivos que prejudica a adesão do ator às orientações fonoaudiológicas, quando elas não preenchem as necessidades do intérprete.
O Fonoaudiólogo pode auxiliar o ator na construção de sua personagem? De que forma?
Esta pergunta, de certa forma, foi respondida anteriormente. Em síntese, o Fonoaudiólogo não pode prescindir de um conhecimento a cerca da representação teatral. Quando pensamos nos teóricos e fazedores do teatro (Stanislavski, Grotowski, Artaud, Peter Brook, Dario Fo, Laban, Boal, entre outros), temos que intuir uma diversidade de construções sonoras, que exigem conhecimento de técnica para que sejam realizadas com alteridade e desempenho salutar e construtivo. Porquanto, a ciência teatral deve ser parte constituinte da formação continuada do Fonoaudiólogo, cujo um dos desejos é o da atuação com atores de teatro, cinema e televisão.
Em relação a comunicação oral, quais são os requisitos desejáveis para que um ator seja selecionado para um Musical?
São ingredientes indispensáveis: musicalidade e talento para cantar, interpretar e dançar. Mais uma vez, alude-se à formação do Fonoaudiólogo, tendo em vista a grande diversidade de conhecimentos que envolve a arte do canto. É imprescindível estabelecer as diferenças entre as vozes falada e cantada, duas realidades diferentes, mas que dialogam entre si no contexto teatral. Os diferentes apoios respiratórios, os ajustes de fonação, a fonética musical (traçado da curva melódica, por exemplo), as variações de estilos e de interpretação requeridas, as nuances vocais exigem do Profissional Especialista em Voz formação na escola de canto, sobretudo a lírica.
O espetáculo musical perpassa pelo lírico e pelo popular, sendo os dois subdivididos em diferentes estilos, que requerem conhecimentos técnicos e interpretativos. O belting, por exemplo, é um dos estilos mais utilizados nos musicais, exigindo, como base, aprendizados da arte lírica. Mas é muito mais complexo do que isso!
O Fonoaudiólogo, mais do que visto, necessita buscar aprendizados apurados de canto, se pretende atuar na preparação e direção de atores de musicais.