Entrevista com a Fga. Leila Mendes
Quais são os caminhos e formações complementares desejáveis para o Fonoaudiólogo que deseja trabalhar com o Preparo Vocal de Atores?
O fonoaudiólogo que deseja trabalhar com Preparação vocal de atores deve estudar principalmente os fundamentos da dramaturgia, a linguagem cinematográfica e televisiva que são linguagens muito recentes da expressão artística. Esse conhecimento não faz parte dos cursos de graduação e de especialização. Acredito que associando esse estudo aos nossos conhecimentos conseguimos nos preparar para esse novo campo de trabalho para o fonoaudiólogo no cinema e na televisão.
Recentemente acompanhamos o processo de suavização do sotaque do ator português Ricardo Pereira. Você pode nos contar sobre essa experiência?
Foi uma boa parceria! Sim, porque sem a vontade, a habilidade e a dedicação do Ricardo, nada disso teria acontecido. Para começar o trabalho, devemos respeitar o sotaque de origem do ator e deixar bem claro que o nosso trabalho será para ganhar mais um sotaque na expressão artística e não perder seu sotaque de origem. Nossas raízes são muito preciosas!
O fundamento do trabalho não é uma análise linguística e sim uma adaptação do sotaque do ator ao sotaque da personagem e que tenha verossimilhança, conceito de Aristóteles na dramaturgia. Ou seja, temos que acreditar no personagem e sua história, não ficar prestando atenção ao sotaque. Aprendi com o diretor Roberto Talma que dramaturgia não é documentário!
Em linhas gerais temos que observar as regras do sotaque neutro, que não são as regras da norma culta, adaptá-las ao sotaque de origem do ator e fazer práticas para que o ator tenha facilidade com os novos fonemas de forma isolada e nas palavras. É muito importante também conhecer a cultura e história da origem dos sotaques. Podemos ajudar ao ator a escolher a melhor forma de falar cada palavra do texto da personagem.
É um trabalho que exige sensibilidade artística, auditiva e acima de tudo criatividade! Nosso grande “laboratório científico” é a observação de como as pessoas falam na vida real!
Quais as estratégias desenvolvidas para os atores lidarem com os fatores de risco para a saúde vocal?
Primeira coisa é a parceria com os médicos em especial os otorrinolaringologistas. Todo ator deve ter seu otorrinolaringologista que o acompanhe e possa ajudá-lo nos momentos em que aconteça algum problema vocal, o que é muito comum de acontecer. Sou a favor da prática regular de exercícios vocais, de exercícios de aquecimento vocal e do desaquecimento, antes e após o uso profissional da voz. Assim como qualquer atleta faz. Como se costuma dizer, os atores são “atletas da voz”. A prática regular de exercícios vocais permite um auto conhecimento das possibilidades vocais do ator. A persistência da prática é libertadora da criação artística vocal já que o corpo fica preparado para soltar os sons que nascem de dentro da alma do ator.
Qual a inserção e o papel do Fonoaudiólogo nas emissoras de TV?
O trabalho do fonoaudiólogo na TV está cada vez mais respeitado e solicitado. Comecei a trabalhar na TV Globo em 1997, a convite do diretor Ignácio Coqueiro que conhecia o meu trabalho era desafiador e exigia de mim uma constante adaptação do meu trabalho às condições do ambiente de um estúdio e às necessidades dos atores. As equipes não estavam habituadas com a nossa presença e não sabiam o que nos precisávamos. Atualmente somos respeitados e solicitados. Fazemos parte das equipes, somos chamados para as leituras de texto, para opinar sobre vários aspectos da expressão vocal dos personagens e do cuidado com a voz dos atores. Somos muito solicitadas para o trabalho com o sotaque quer seja para neutralizá-lo ou para criar sotaques. Ouso dizer que o ator ou a equipe que não tem a sua “fono” estão por fora!!!!
Considerando a formação de um novo elenco, o Fonoaudiólogo participa da seleção de atores? De que forma?
Na minha experiência pessoal, poucas vezes fui chamada para a seleção de atores de um programa. O que mais acontece é orientar aos diretores e aos atores quanto a composição vocal dos personagens. A composição vocal abrange não só os aspectos da qualidade vocal mas também aos aspectos de prosódia e dicção. A compreensão da história que está sendo contada e da forma que está sendo contada é fundamental, daí a importância dos conhecimentos de dramaturgia. Só falamos bem aquilo que compreendemos. Logo o ator só falará bem se compreender com raciocínio e conhecer com afeto, a sua personagem.